Os aventais de Paulo

Por Tiago Rosas

“Mas o povo não usou os lenços de Paulo? Por que não podemos ungir lenços hoje para cura divina?”

É preciso observar pelo menos três coisas quanto a esses eventos descritos em Atos 19.11,12 antes de tomá-los como justificativa para padronização de “métodos de cura”.

Em primeiro lugar, o próprio texto bíblico registra que se tratavam de “maravilhas extraordinárias” (v. 11). Ou seja, eram milagres não corriqueiros, mesmo na agenda dos apóstolos. Comumente via-se no ministério dos apóstolos e outros a cura divina pela oração e imposição de mãos, mas a cura mediada por lenços e aventais era coisa extraordinária, isto é, fora de ordem, rara, incomum. O problema é muitos hoje quererem fazer disto algo ordinário, padronizado, costumeiro, cotidiano. Daí nascem modismos, propagandas e campanhas de “lenços ungidos”, “fronhas ungidas”…

Em segundo lugar, nem mesmo Paulo recomendou ou estimulou alguém a repetir tal “método de cura”. Se o apóstolo quisesse mesmo que tais maravilhas extraordinárias entrassem para a agenda cotidiana da igreja, ele mesmo teria enviado um lenço ungido para Timóteo (ao invés disso, lhe recomendou cuidados naturais com a saúde – 1Tm 5.23) e outro lenço para Trófimo (a quem ele deixou doente em Mileto – 2Tm 4.20). Deve-se observar que o texto de Atos sugere passividade de Paulo e não uma deliberada iniciativa para despachar peças de uso pessoal: “até os lenços e aventais se levavam do seu corpo…” (v. 12). Paulo podia condescender com a fé incipiente daqueles crentes em Éfeso, e Deus por graça efetuava a cura; mas está claro que não houve vontade do apóstolo em repetir o método em suas viagens missionárias e recomendar o método para outros pregadores. Aliás, aos próprios efésios foi a prática da oração e mútua intercessão que o apóstolo recomendou em sua carta (Ef 6.18). Este é o padrão: orar por cura divina! As igrejas devem orar sempre, incessantemente e com fé pela restauração dos enfermos, inclusive podendo ministrar a unção com óleo – prática comum no Novo Testamento e recomendada aos líderes das igrejas (Tg 5.14,15). O uso de outros instrumentos/peças/utensílios será sempre incomum, nunca prática recomendável!

Em terceiro lugar, deve-se notar que o povo de Éfeso era muito místico e sincrético (v.13, 19, 24-28). A igreja naquela cidade estava em fase inicial de discipulado e havia muitos novos convertidos ainda na ignorância, apesar de crentes sinceros (uns até sequer sabiam alguma coisa sobre doutrinas e experiências elementares da fé cristã – 19.1,2). É comum que pessoas novas convertidas ou de pouca instrução na doutrina cristã continuem a se apoiar em coisas aparentes e tangíveis ao invés de demonstrarem uma fé robusta que “crê no invisível” (Hb 11.27; Rm 8.24,25). Leva tempo para chegar a maturidade! Deus não trata crianças como adultos; Ele sabe trabalhar com cada um segundo “a medida da fé” (Rm 12.3). Porém, somos chamados a não ficar eternamente na fase da infância espiritual e a crescer espiritualmente acrescentando conhecimento à nossa fé (2Pe 1.5). Uma mãe já trouxe a mim foto de seu filho e pediu-me para orar por ele com aquela foto; não me neguei a fazê-lo, pois vi tratar-se de uma crente sincera. Mas se eu participaria da “campanha de oração e unção pela foto do parente doente”, aí é algo bem diferente!

Finalmente, devo dizer que creio que milagres extraordinários podem acontecer e têm acontecido ao longo da história. Creio que mesmo lenços e peças de roupa, e até mesmo a simples sombra (como no caso de Pedro) de um homem ou mulher de Deus, podem vir, segundo soberana vontade do Senhor, a serem tomados como instrumentos para cura divina. Todavia, quão infantil e absurdo é uma igreja madura querer padronizar tais práticas e, muito pior, chegar a cobrar preço por objetos ungidos – que é, em verdade, uma grande heresia!

  • Tiago Rosas, é evangelista, escritor, pregador e reside em Campina Grande no estado da Paraíba.